
Aldomar de Castro
PIXURUM
P I X U R U M
Tenho setenta e nove anos de idade, sou filho de pequeno agricultor nascido e criado no município de Sobradinho, assentado na região centro-serra do Estado do Rio Grande do Sul, até os dezesseis anos. Nessa região a economia restringia-se a produtos agrícolas, principalmente, fumo, feijão, milho e trigo. Outras culturas também eram desenvolvidas pelos agricultores, especificamente, para consumo próprio. Mais para o Leste, divisa com o município de Soledade já predominava a pecuária, isto pela topografia que a região.apresentava.
Naquele tempo, o plantio do feijão realizava-se, em primeiro lugar com o preparo da terra, logo o lançamento da semente ao solo que era feito com o auxilio de uma máquina manual, que cravava na terra a extremidade inferior, abria e lançava quatro ou cinco sementes e quando retirada, naturalmente, a cova fechava. Esta atividade era desenvolvida de acordo com a extensão da plantação.
Com o trigo ocorria de maneira semelhante, o cultivo da terra e logo em seguida o lançamento da semente ao solo, manualmente, após esse procedimento, cobria-se a área semeada com uma grade, ferramenta, puxada a bois ou cavalos, usada para enterrar os grãos que com a umidade passavam a germinar.
O fumo divergia das citações anteriores, pois era cultivado em canteiros apropriados, com cobertura de um tecido denominado, na época, por “pano de canteiro”, tecido semelhante ao atual sombrite, porém de cor clara. Quando as mudas atingiam, dez ou mais centímetros, após uma boa chuva eram transplantados para a lavoura. Esse plantio era executado manualmente.
O feijão e o trigo quando prontos para colheita exigiam que esta fosse realizada imediatamente, caso contrário, corriam-se o risco de perder a safra. Normalmente, os proprietários das lavouras contavam com dois ou três trabalhadores.
Com esta quantia de laboriosos não conseguiam recolher o produto pronto em tempo hábil. Para garantir o recolhimento do produto convidavam os vizinhos para um pixurum, trabalho gratuito e cooperativo entre as populações rurais. O dicionarista do Folclore Brasileiro, Luis da Câmara Cascudo, registra que no Rio Grande do Sul, os termos que representam essa atividade são: adjutório, pixirum, puxirão e puxuru. O realizado na década de cinqüenta, como serviço cooperativo gratuito, realizado por vizinhos convidados para o preparo da terra, colheitas de feijão, trigo, fumo e/ou derrubada de mato era denominado pixurum, a não ser para destalar fumo, que era denominado serão.
Os preparativos para o pixurum iniciavam bem antes da data da realização do evento, com preparos da alimentação e algum tipo de bebida, inclusive alcoólica. Era costumeiro sacrificar um animal doméstico para satisfazer as necessidades nutritivas acompanhado do feitio de cucas e outras iguarias. O pixurum iniciava com o convite dos vizinhos para determinada tarefa com data aprazada e na propriedade do agricultor que convidava. Os participantes, já pela manhã apresentavam-se com as ferramentas adequadas ao tipo de serviço a ser desenvolvido. Enxada, foice, foicinha (ferramenta usada para o corte manual de trigo) ou a que fosse necessária para desenvolver a atividade objeto do convite. O dono do pixurum era referenciado como se fosse patrão, era quem determinava o início dos trabalhos e como deveria ser realizado e o seu termino.
Durante as atividades desenvolvidas no pixurum, os participantes, as vezes dois ou três de cada família, iniciavam o trabalho numa formação frontal, um ao lado do outro formando o que se denomina de eito. Na capina ou no corte de trigo, alguns participantes desenvolviam sua atividades com mais habilidade e se projetavam sobre os demais, formando uma meia lua na frente do companheiro que ficara para trás. Este procedimento denominava-se chiqueiro. Isto era uma farra para os que não ficavam enchiqueirados. Durante as atividades do pixurum desenvolviam-se cantos, semelhantes aos cantos de trabalho. O Abrelino, o Euclides e o Queco, rapazes solteiros, trabalhadores e “cantadores”. O trio Trabalhava cantando, num tom agudo estridente, uma quadrinha que nunca mais vi nem ouvi qualquer referência
.MARIMBONDO COR DE OURO,
ME MORDEU COM O SEU FERRÃO.
ME MORDEU DO LADO ESQUEDO,
NA VEIAAÁ. . . DO CORAÇÃO.
Logo logo todos os componentes do pixurum participavam em coro da cantoria. Ao meio dia, todos se reuniam normalmente numa boa sombra, para beber caipirinha, tocar cavaquinho e violão executando versos de improviso, que quase sempre envolvia humor. Quando parava a música, alguém continuava, durante a hora de descanso, contando causos, normalmente, de assombração, mula-sem-cabeça, ou de coragem, de bravura que sempre envolvia o contador levando vantagem.
O termino do pixurum indicava o compromisso do proprietário em participar dos outros pixuruns realizados por qualquer um dos participantes. Os menos comprometidos ficavam na casa do dono do pixurum tocando, cantando e tomando trago.
CRESCENTE DE MARÇO 2017.
CALTARS – “TO”